No mundo, cada um tem seu critério, sua lógica individual, independente da “verdade”, considerada esta relativamente, posto que o Absoluto, o Infinito, não pode ser abarcado pela mente limitada do homem. Contudo, o critério, a lógica individual, encontra-se em proporção aos conhecimentos diversos e heterogêneos adquiridos pelo indivíduo durante suas experiências desde que teve o uso da razão.
Sob este ponto de vista coincidem as multidões em suas apreciações, formando-se coletividades, nas quais sábios e ignorantes, em uma cadeia interminável e intermédia, uns com fé cega, outros sem ela e os demais impulsionados pelo costume, se transformam, comumente, em simuladores de práticas religiosas que não concordam com a mais elementar análise que sugira a inteligência; porque, para ser religioso, é imprescindível, desde séculos, aceitar tudo sem benefício de inventário, sem raciocinar, só deve crer, é necessário adormecer as faculdades objetivas, aquelas que podem fazer objeção ao inverossímil, sob pena de estar longe de Deus e, portanto, da Verdade.
Não pretendo, então, analisar o Krishnaji sob o ponto de vista variável das diferentes seitas cristãs, muito menos do catolicismo, senão, de preferência, desde a cúspide (extremidade aguda) de minha própria inteligência, deduzindo os fatos uns dos outros, raciocinando, olhando com profundidade, esquadrinhando a História, em cujas páginas não se pode alterar o lugar que ocuparam os “homens tochas” da Humanidade. Pois bem, não hei de ver Krishnaji com lentes embaciadas do tempo que tudo termina pôr desfigurar, hei de vê-lo com a luz que irradiou o Mártir do Gólgota.
Desprovido de preconceitos, sem buscar o pró ou o contra para as doutrinas do famoso filósofo hindu, ao redor do qual se reuniram, seguindo-o, centenas de milhares de pessoas, hei de buscar a verdade, baseando-me no ponto de vista da concordância entre a Religião de Cristo e a Ciência.
Krishnaji, profundo conhecedor da ignorância do mundo quanto a temas espirituais se refere, sabe como atrair as vontades, como tergiversar a verdade, ofuscando o entendimento, como ocorreu com os que realizaram a degeneração das religiões existentes.
É a eterna luta entre a razão e a razão, guerra em que não resultam vencedores nem vencidos. Cada qual tem a sua e crê, consequentemente, estar na verdade, se é sincero para consigo mesmo.
Não se deve esquecer que, em todas as religiões, se interpõem os interesses criados e se luta comercialmente para ganhar espíritos e, por conseguinte, pelas vantagens materiais: é a exploração incessante por meio do temor que invade a ignorância: os mais crédulos são o pasto propício, os joguetes dos mais audazes; uns trabalham para que os outros desfrutem; e pobre do que se rebela, guerra ou morte se lhe declara. Parece que a maioria dos homens, preocupados, como os coelhos da fábula, serão devorados… Fala-se das tiranias dos governos que achatam o espírito. Que maior tirania pode ter a humanidade que as religiões degeneradas? Considero que este é o principal trabalho empreendido pelo novo messias industão, tirar quantos possa das religiões, em busca do que ele chama LIBERTAÇÃO, fundamentando-se no princípio sustentado, igualmente, por todos os fundadores de religiões de que o homem, espiritualmente, é uma emanação, uma centelha da LABAREDA INFINITA, que pode transformar-se de limitada em ilimitada. Só que, se para chegar a uma meta determinada seguem-se caminhos contrapostos, chegar-se-á ao caos.
Tolerante por natureza, respeito todos os credos religiosos, mas o que não posso tolerar é a ignorância. Quem é muito sábio ou muito ignorante? Isto não me preocupa. Quando quero investigar algo de Deus, não me dirijo aos livros, nos quais só se acham absurdos a respeito da Divindade, prefiro unicamente aqueles que narram as vidas dos Homens Eixo do mundo; e, analisando suas vidas, remonto meu espírito a toda a classe de possibilidades, desde que para o Infinito não há limitações, desprovendo-me dessa maneira de olhar a Deus como se fosse um homem, absurdo em que muitos incorrem, desdenhando, por esquecimento involuntário que não se pode conceber uma Divindade com atributos de homem.
Cristo, o Espírito Maior que temos conhecimento residiu no mundo, ensina claramente o Caminho que conduz ao Eterno, ao que Ele, para fazer-se compreendido por uma massa de homens materializados, chamou Pai Celestial. Mas quem o segue em espírito? Não pregam acaso os cristãos que todos são livres e responsáveis por seus atos ante Deus, Supremo Juiz que vê nossas consciências? Não é esta, também, a base da vida entre as relações dos homens, origem dos Direitos Humanos, em suma, da Jurisprudência? A isto deve dizer-se que Cristo ensina tudo ao contrário: a Obediência não ao homem, mas a Deus, a negação absoluta de todo o humano para chegar à Divindade, acrescentando: “NINGUÉM VEM AO PAI SENÃO POR MIM”, o que quer dizer que o que não o segue não poderá chegar à Divindade, por mais que muitos homens assegurassem o contrário, ainda que sem dar-se conta disto.
“TUDO OBEDECE À VONTADE DE MEU PAI CELESTIAL”, exclama Cristo, era a voz que pregava no deserto… Somos livres, respondem os homens em meio às trevas, preocupados com seus interesses materiais, passageiros, e que não se preocupam com o Eterno que levam consigo mesmos; não faltam milhares de “CEGOS GUIAS DE CEGOS”. O mundo os tem aprisionados na Ilusão. O que poderíamos chamar a “autossugestão da humanidade” é enorme; todos se creem “livres”, até “absolutos”, porém com limitações, quer dizer, relativamente. Se bem que neste último, já se deu um passo de progresso até o desconhecido.
Krishnaji sustenta no fundo todo o contrário: o homem deve descobrir sua própria essência espiritual. De natureza livre, como o vento, como a cascata, mas esquece Krishnaji que o vento, a cascata, não são livres, que tudo está sujeito as leis naturais; e, que por onde quer que observemos o Universo, em tudo encontramos obediência a leis quer sejam conhecidas ou desconhecidas; acaso não conhecemos as experiências que nos proporcionam a Física e a Química? Não são provas as afinidades dos corpos? As leis de atração e repulsão? A Lei da Causalidade é a demonstração mais compreensível de que nada há livre.
Cristo ao dizer, “EU, OBEDEÇO À VONTADE DE MEU PAI CELESTIAL”, está em harmonia com a Natureza. Somente a ignorância ou o fanatismo podem tergiversar a verdade.
Se se compara o que diz Krishnaji, com o que ensinou Cristo, é porque o primeiro, numa das conferências de Omen, Holanda, não sem deixar de ruborizar-se, temendo não ser compreendido, se declarou ser Deus, que viria salvar a humanidade com o nome bastante pomposo de Instrutor no Mundo.
Suas vidas, resultam diametralmente opostas: Cristo, humilde, “… O FILHO DO HOMEM NÃO TEM NEM UMA PEDRA ONDE RECLINAR SUA CABEÇA” Krishnaji, é milionário, é um cavalheiro. Cristo, de Santidade Perfeita, superou a todos os homens: era Deus em forma humana. Krishnaji, confessa que esgotou todos os prazeres.
Cristo jamais solicitou dinheiro, segundo a tradição, nem para ensinar, nem para fazer propaganda de seus ensinamentos; muito ao contrário, disse: “O QUE DE GRAÇA RECEBEREIS DE GRAÇA DEVEREIS DAR”. Krishnaji, em repetidas ocasiões, diretamente ou por meio de seus lugar-tenentes, pede dinheiro, através de centenas de milhares de pesos, para ampliar sua propaganda por todo o mundo. Até se solicita um mês de abnegação, no qual todos os crentes ou futuros apóstolos devem mandar-lhe o máximo de suas economias.
Cristo sabia seu destino e o daqueles que o rodeavam; segundo seus mesmos ensinamentos, os Apóstolos foram escolhidos e, consequentemente, Ele, que não podia estar em desarmonia com o Espírito Infinito, não podia rechaçá-los. Krishnaji, rechaçou todos seus prosélitos, vários milhares, destruindo a Ordem da Estrela, que ele mesmo organizou para que servisse de elo entre ele e o mundo a quem devia instruir.
Cristo, obediente à Divindade que morava nEle, não se arrependia jamais de Seus atos, agia por Inspiração Divina. Krishnaji se arrepende e dá a entender que ele não sabia que seus adeptos não o compreenderiam, dissolvendo essa Sociedade.
Cristo nunca se proclamou chefe, porque não reconhecia maior autoridade que a de Seu Pai Celestial. Krishnaji se proclamou Chefe da Ordem da Estrela.
Cristo sempre manifestou que Suas Palavras eram Eternas. Krishnaji sustenta que não façam caso de Krishnaji, de sua forma física.
Contudo, os crentes em Krishnaji, não veem neste senão todas as características de Jesus Cristo; sustentando esta semelhança no mero fato de que as crianças, ao verem Krishnaji, o adoram, atrai suas simpatias.
Não vou discutir mais a personalidade de Krishnaji, por agora, desde que ele disse que Krishnaji é algo passageiro, que não vale nada. Hei de ocupar-me de seu espírito.
É o espírito de Krishnaji, Cristo ou Anticristo? Se lemos os Evangelhos, resulta ser um Anticristo a que não devemos seguir.
Sem dúvida, há tantos crédulos, tantos adormecidos, entre os mesmos teósofos que seriam capazes de queimar-me vivo me suporiam capaz de crucificar Deus encarnado na pessoa de Krishnaji ou Krishnamurti. Para esses fanáticos do novo messias, eu resultaria um pseudocristão, um incapaz, um espírito pouco evoluído, que não alcançou compreender o Divino Senhor, que passeia em auto, joga esportes custosos e viaja, frequentemente, às custas de seus numerosos adeptos.
Às vezes me dão tentações de fazer-me eu também Deus para ensinar como Instrutor do Mundo, como a humanidade deve chegar à completa LIBERTAÇÃO, libertando-se de dar, com muitos sacrifícios, de muitíssimas privações, seu dinheiro ao Instrutor do Mundo, mas sempre que também dessem algo de seu dinheiro, porque assim lhes resultaria, financeiramente, muito mais econômico, já que não lhes pediria meses de abnegação, senão uma pequena quota por cabeça, para minha propaganda. Assim, com igual direito que ele, e formando uma sociedade em “comandita”, teria uma enorme quantidade de adeptos principais que me adorariam pelo deus dinheiro, e assegurariam em conferências públicas por todas as partes, (com gastos pagos pelos crentes), que sou a mesmíssima Divindade encarnada e incompreendida que estou em Oruro; outro tanto diriam as revistas organizadas para tal propaganda. Mas, não me atrevo, porque considero que não haverá muita necessidade de tal obra, porque suficiente tem Krishnaji com a guerra que lhe fazem milhões de membros de todas as religiões, que podem ver diminuídas suas filas e seus ingressos para propaganda.
Oxalá, que nenhum crente em Krishnamurti leia estas linhas, porque não quero ver-me “compadecido” de ninguém, ainda que, felizmente, na Sociedade Teosófica, podemos pertencer à religião que mais nos convenha ou a nenhuma e aceitar ou não os Instrutores sejam quais forem.
(*) Este texto foi escrito pelo Professor Julio Ugarte y Ugarte, em Oruro, na Bolívia, em agosto de 1930. Era dirigida aos membros da Sociedade Teosófica. O texto foi publicado no Boletim Informativo da Igreja Cristã Primitiva nº 30 e no livro Vontade e Inteligência – Um Enfoque Espiritual.